Apresentação

Qual história eu quero contar?

Essa pergunta sempre aparece quando sou convidado a expor minhas ambições artísticas. Na verdade, não me considero artista; estou apenas sucumbindo ao impulso primitivo de montar e (des)montar, trocar as peças, embaralhar tudo e remontar outros mundos a partir dos mesmos elementos.

A fotografia é apenas o ponto de partida. Preciso viajar e colecionar imagens, ver de perto, estar diante de. Sou ritualístico. Esse trabalho é, portanto, consequência da minha experiência com o divino que não se encerra dentro dos templos religiosos. Creio que o Deus que habita os altares é o mesmo que pulsa na bateria de uma escola de samba.

Percorrer o Brasil visitando igrejas do século XVIII é perceber que o lugar da fé é também o da festa. Não existe uma separação bem definida entre o sagrado e o profano. Por isso, fotografo arquitetura e arte sacra, representações que ajudaram a moldar nosso pensamento, nossa identidade.

Se hoje entendemos que a história é uma disputa de narrativas, certos fatos não podem ser relativizados: fomos colonizados. Temos um passado marcado por exploração, conflito e violência. Houve massacre indígena, houve escravidão. A imposição dos costumes portugueses produziu, entre outras coisas, o sincretismo. Essa mistura entre crenças tão distintas pode ser lida como tática de resistência frente aos desmandos do opressor, mas também como potência criativa e expressão cultural.

A partir daí, penso que todo desfile de escola de samba tem sua origem nas procissões católicas e que toda procissão é um desfile. Nas alegorias e nos adereços, encontramos símbolos que tornam ainda mais complexa a missão de decifrar nossos mitos de origem.

Essa exposição condensa mais de dez anos de registros pelo Brasil afora. Costuro minhas referências estéticas da mesma forma como bordo os fuxicos que enfeitam cada uma das fotos. Junto imagens para compor esse grande tapete que, de alguma maneira, revela a dimensão das (con)tradições que escolhemos manter até aqui. Basta lembrar que nossa Constituição Federal de 1988 foi promulgada “sob a proteção de Deus” e que o mesmo documento garante que o estado brasileiro é laico, mas não ateu. Há feridas abertas e processos em curso. Não superamos a culpa cristã, mas contamos com a possibilidade do perdão. Se até mesmo o pecado guarda em si a promessa de salvação, quem vai nos salvar de nós mesmos?

Nesse Drama Barroco, temos folia de reis, festa junina e carnaval. Sobreponho materiais na tentativa de criar uma experiência imersiva na qual minhas memórias se misturam às histórias do povo do meu lugar. Um lugar onde os deuses dançam e até os santos católicos vestem suas próprias fantasias.

Rusvel Nantes
outubro de 2022